Wednesday, May 31, 2006

triângulo das bermudas

- pode dizer-me onde fica a despedida?
- siga até ao fim a rua da boa esperança e dobre a esquina para o beco das tormentas.

Tuesday, May 30, 2006

racionalmente

quando se chora em pé e se baixa a cabeça, por momentos rendida à evidência elegíaca, uma lágrima quente escorre até cair redonda no chão frio da casa de banho e formar um lagozinho fúnebre de 3,7 centímetros (mais redondos que) quadrados*.
* área aprovada para quedas de uma altura de, aproximadamente, 150 centímetros; não dispensa experiência formativa.

Monday, May 29, 2006

mapa-múndi

— where are you?
— i'm in love.

eu que me comovo por tudo e por nada #27

madonna con bambino

Sunday, May 28, 2006

post de aniversário

para a m.
a m. é das minhas melhores memórias do 26-c da avenida de berna.
m. às 8h a engolir o sono e meia pepsi antes das frequências de latim que duravam a manhã inteira. m. a rir-se de mim quando me descobriu entretida com o alfabeto grego nas margens dos apontamentos mais aborrecidos como quem faz desenhos: «ainda fazes isso?», disse, com o cansaço de quem levava dois semestres de avanço. agora gaguejo o alfabeto, mas escrevo a sua morada sem pestanejar. m. a fazer-me perguntas de vinte valores e eu aflita para não chumbar, a passar com distinção o exame de confiança, sem que o fosse. m. sem cuidados a dizer-me «és muito poética», e como num balão de bd o cesário exclamava por trás de mim «se eu não morresse nunca! e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas!»
«sabes quem é que me lembras? a sofia da aparição», disse-me. recordo-a do lado perigoso da linha amarela do metro, das noites de vinho e confissões, e do homem que num texto escondeu debaixo dos bancos cor-de-laranja de um autocarro.
a m. não sabe a minha vida de todos os dias, não vai tomar café comigo, nem sequer vamos ao cinema. visito-a em cartas sem resposta necessária. conhece-me de longe, de há anos, conhece-me feia e frágil, as feridas e as cicatrizes, as fracturas expostas, e os sinais falsos de beleza, pintados a lápis na face esquerda.
não a vejo há anos e, lúcida cidadã do atlântico, é a minha resposta quando me perguntam (as coisas que as pessoas perguntam) quem me conhece melhor.

Saturday, May 27, 2006

all the umbrellas in london couldn't stop this rain*

for rainy days
*the magnetic fields

Wednesday, May 24, 2006

come home, billy bird*

rui costa,
international business traveller
* the divine comedy

Monday, May 22, 2006

on the road

o autocarro é um bicho de patas gordas e gulosas de quilómetros, mas frágeis como as solas de uns all star.
de manhã dou um bom-dia ao motorista, que antes de ir trabalhar vou para lisboa. se o reencontro no fim do dia, dou-lhe um sorriso mordido pela maldição do recolher — quantas vezes obrigatório — a casa.
a parte mais atravessada dos dias é quando saio da cidade pela faixa do bus e à esquerda todos os carros me ultrapassam para destinos que imagino mais próximos, mais felizes.
durante dezassete quilómetros o tejo é verde, azul e cor de terra, e sobre o alcatrão trepida-me a caligrafia com as suas ondas pequenas de rio, pouco mais excitado do que um lago.
pela estrada, o lá-fora repete-se, e insisto em olhar pela janela, à procura das sete diferenças. hoje é mais cedo e uma árvore inclina-se ainda para o sol. num caminho de terra batida, um miúdo sem cansaço corre à velocidade de obikwelu com uma câmara-de-ar. as agulhas de todos os pinheiros tocam-me baixinho um highway 12 revisited que o dylan não escreveu. a rapariga no meu banco leva o lobo antunes ao colo, a rapariga no banco ao lado lê o freakonomics, mas isso não é diferença, eu sou sempre o alguém ao lado de quem lê esse livro. «não se zanga, se eu lhe disser uma coisa?», diz-lhe o homem vizinho, «é que ler assim no autocarro faz mal.» ela sorri-lhe um «pois, eu sei», sabe que não ler em lugar nenhum faz muito pior.
última paragem, terra do nada, há correspondência com o castelo, a serra e o rio. saio para a rua, para casa, para o quarto. no computador sobre a singer que herdei sem que ninguém tenha morrido, sou costureira. dou ao pé com música e imperfeição, coso verbos e preposições, descoso adjectivos, remendo textos de retalhos, a tentar que trapos se pareçam, se não com alta costura, pelo menos com pronto-a-vestir.

Saturday, May 20, 2006

hit the road, cindy

Wednesday, May 17, 2006

bilhete de ida e volta

Tuesday, May 16, 2006

cut your hair*

quando fosse grande queria ser cabeleireira.
queria fazer aos outros o que não podia fazer porque o meu cabelo era comprido ou muito comprido, obediente ao orgulho materno. e liso, paradíssimo como a minha inércia.
comecei nas bonecas. nunca tive bonecas que falassem, sequer chorassem quando lhes mudava o penteado. cortava-lhes cabelos ou encorajava-lhes a rebeldia com guaches de cor cião, numa vingança fraca de não ser loura.
um dia desisti da escola e a minha mãe aborreceu-se porque sempre me quis professora e confiava que em pequenas todas as meninas queriam ser cabeleireiras mas que depois cresciam, eu confiava que havia de manejar as armas de corte como se fossem de defesa.
houve uma tarde de agosto em que o ar condicionado do salão avariou e a dona rosário, de rolos e touca, se queixava das páginas da nova gente coladas às pontas dos dedos suados, que assim não pode ser, devíamos deixar a porta aberta para correr uma aragem, está calor em todo o lado, e mais na minha cabeça. foi quando tive a certeza que o secador não avariou como o ar condicionado e que funcionava com a eficácia dos dois aparelhos. ao sair do salão, de permanente a dona rosário só levou umas marcas de queimaduras no couro cabeludo.
nessa dia, sem que eu pedisse, deixaram-me sair mais cedo e nem pude guardar as moedas que a dona amélia, já de cabelo lilás pronto para o chá e a inveja das amigas na pastelaria do fundo da rua, me deitou no bolso do avental como a atirá-las para um poço e, num desejo maternal, a pedir-me «vê lá se hoje perdes a novela e vais ao cinema com um simpático».
mudei de um t1 pequeno para um t1 mais pequeno, no outro lado da cidade, onde nunca tinha penteado ninguém, e empreguei-me no salão da irmã da minha madrinha.
agora lavo cabelos e o pior que acontece é uma espumazinha a chorar da testa até ao olho, como do mar para o rio, ou a lamber a orelha num odor de maçã.
gosto quando as senhoras fecham os olhos e ficam ali, esquecidas de que lhes aponto uma pistola de água à cabeça enquanto morrem um bocadinho aos suspiros, mais belas, meio adormecidas meio a pensar no que vão fazer para o jantar e se o manuel, o pedro ou o joaquim vão reparar que pintaram o cabelo, que estão mais loiras do que as mulheres dos jogadores da bola e mais novas do que a empregada de decote florescente do café.
*pavement

Thursday, May 11, 2006

jantar num t3

a cozinhar para um, chorava de cebolas e solidão.

Wednesday, May 10, 2006

a febre das papoilas

os terceiros são os maiores.

eu que me comovo por tudo e por nada #26

fruit stand, de lisa whiteman, 2003

quando era miúda a sério, ia com a minha avó às compras. a loja era pequena e mal iluminada, cheirava a bacalhau, queijos e chouriços. ao balcão recebia-nos a menina maria, que no quase escuro somava os centímetros que eu crescera desde a última visita. a menina maria tinha cabelo muito branco e vestia luto dos sapatos até à gola desde antes de eu nascer. fazia as contas em papel manteiga com um lápis desafiado e subtraía um chocolate ao total.
lá fora, à entrada e à saída, havia fruta da época, madura, doce, permitida. eu gostava de ver uma maçã desarrumada no caixote das laranjas e os figos alinhados como um batalhão.
as bancas na porta das mercearias dão-me cor de infância aos anos maiores e cor de bairro às ruas da cidade, contrariam o anonimato. os morangos, meloas, tangerinas ou nêsperas do senhor antónio ou da dona mercês, assim expostos aos dedos gulosos, cheiram-me à confiança entre os habitantes dos lugares pequenos.

Monday, May 08, 2006

a portuguesa

nos dias mais frios, ainda de inverno, via-a na saída da estação de metro de entrecampos. estava sentada nos degraus varridos por pés apressados. era velha e estava embrulhada num xaile que de certeza não a aquecia. tinha o cabelo preso num lenço e vendia gorros. apetecia-me dizer que também vendia cachecóis, mas não me lembro. como se não pudesse olhar com mais atenção sem intenção de comprar ou sem lhe deixar uma moeda comovida. um dia reparei nuns pedaços de cartão. um agradecia «bem haja». outro informava «sou portuguesa». outro esclarecia «não sou cigana».

Sunday, May 07, 2006

jogos de palavras

brincar com coisas sérias.

Thursday, May 04, 2006

sofisma

torno a casa, logo sou boa filha.

Wednesday, May 03, 2006

parklife

no meio da cidade, as árvores são de um verde-carregado de folhas e aves escondidas. deitado num banco sombrio, abriga-se um homem sem casa.
um cão cheira com interesse largos centímetros de relva despenteada até se distrair com os pombos e os pássaros que pousam no chão fresco em volta da pequena fonte.
quatro ou cinco velhos de calças grisalhas jogam dominó, deitam um olho às peças alheias e outro às pernas veraneantes fora de saias rodadas como aparas de lápis, e perdem à vez.
as crianças vão e vêm no ranger dos baloiços, pernas alegremente infantis para trás e para diante, e os pais, sentados nos bancos compridos como os das igrejas, esperam, de olhar previdente, que elas cheguem longe. noutros bancos, há jornais de outras línguas estendidos dentro de braços abertos ao sol.
pela alameda, um casal volta a casa conduzindo a infância e a velhice ─ parentes só afastados por décadas ─ ele empurra a cadeira de rodas do avô, ela o carrinho de bebé do neto.

Tuesday, May 02, 2006

indie lisboa (v)

a primeira vez que um homem viu o mar.


recuerdo del mar, de max zunino, méxico, 2005, 4'

indie lisboa (iv)

um elogio ao cinema independente — mais marginal, menos comercial — e as pessoas aderem em massa.

indie lisboa (iii)

a oportunidade de ver filmes também independentes de qualquer sentido.

Monday, May 01, 2006

alvíssaras

perderam-se três quilos. agradece-se a quem não os devolver.