Saturday, October 08, 2005

remorso

diz-lhe a este remorso que se modere,
é bom por certo, mas perigosamente parcial.
não te inculpes e atormentes tanto com o passado.
não dês tanta importância a ti próprio.
menor foi o mal que fizeste
do que tu julgas; muito menor.
a virtude que te trouxe agora o remorso
também estava na altura latente em ti.
eis que um acontecimento que de repente
à tua memória regressa explica
o motivo duma acção tua que te parecia
não louvável, mas agora se justifica.
não confies totalmente na tua memória;
muitas coisas esqueceste − miudezas diversas −
que te justificavam bastante.

e não julgues que o ofendido
o conhecias tão bem. havia de ter dons, que ignoravas;
talvez nem sequer fossem arranhões aquilo
que tu julgas (por ignorância da vida dele)
terem sido feridas terríveis causadas por ti.

não confies na tua fraca memória.
modera a memória que é sempre
até à falácia parcial contra ti.


[inconcluso, 1930]
konstandinos kavafis, os poemas, lisboa, relógio d'água, 2005

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