Wednesday, January 11, 2006

arrepio

eu devia ter desconfiado quando cheguei e ele me sentou na cadeira. temos de falar, o que é que vamos fazer?, disse.
olhou-me nos olhos dentro do espelho onde eu cabia toda. os ténis velhos, as calças de cauda rasgada pelos passos arrastados, a camisola muito preta e tanto que eu gosto de me repetir. na cara os olhos escuros, muito sono porque pouco e mal passado, como um bife de vaca.
sorriu-me como se soubesse que não era ali que eu queria mesmo estar. mexeu-me no cabelo, num gesto sem intimidade. despenteou-me um bocadinho, com as mãos sábias, enquanto me avaliava o relevo das bochechas e o arrebitar das orelhas, me media a testa descoberta e a boca a poupar sorrisos.
depois decidiu: vamos cortar. cortar mesmo. vais sentir-te bem, melhor. concordei. deixei-me nas mãos dele.
nas mãos, nas tesouras e nos pentes. quando falou em cristas para sair à noite, não liguei, mas hoje aprendi o que é isso de «arrepiar cabelo».

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