Conde Lev
Talvez acabe morrendo sozinho, numa pobre estação isolada de caminho-de-ferro, como Tolstoi. Espero que sim, porque enquanto agonizava, deitado numa espécie de maca, os seus dedos continuavam a desenhar no lençol letras e letras que o encarregado dos comboios ia tentando ler. Uma estação de caminho-de-ferro isolada pela neve, um velho agonizante a deixar na mortalha uma mensagem de fogo e um camponês a soletrar-lhe as frases até que a mão parou. A mulher de Tolstoi no seu diário: morei quarenta anos com Leão Nicolaievitch e nunca soube que espécie de homem ele era. Ninguém sabia então. Hoje sabemos: fez-nos erguer sobre as patas traseiras e projectamos uma enorme sombra.
António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas, Lisboa, Dom Quixote, 2002.
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