Quiet is the new loud*
A solidão, sendo vazia, dá a ideia errada de ser silenciosa. Mas nesse sítio os silêncios não são de veludo e não há maneira de o corpo se aconchegar ao sofá que parece de madeira fria. Aí, porque não há em quem atentar, ouvem-se os sons ao microscópio, e qualquer um, ainda que diminutivo, se faz trovão.
De fora vem o bater rápido, bruto, leve das asas do pássaro em voo e o comboio em fuga para as próximas estações, e os ruídos domésticos, às vezes tão inexistentes, têm contornos de fantasma.
A porta range quando o gato passa e atrás dele languidamente a cauda. O frigorífico treme e soluça em arrepios de frio. O telemóvel dá sonoros roncares de estômago com falta de bateria. A cama da vizinha de cima - sempre sozinha, imagino - geme mais frequentemente todo o dia.
O cigarro, com barulho de labareda, desfaz-se em cinzas de que nada renasce. As paredes choram pelos canos lacrimais um líquido moribundo que foi, deixou de ser potável.
E as conversas audíveis e imperceptíveis das casas em volta não asseguram que estar acompanhado é antónimo de estar só.
*Kings of Convenience
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