Post quase desportivo
De véspera um leve desejo levanta suspeita. O presente promete realidade. Duas horas antes do acontecimento ainda não sei se o vai ser. Hesitação, vou-não vou, vou-não sei se vá, vou-quero ir, vou. 18h20 e fora do pijama para debaixo do chuveiro. Visto a primeira T-shirt da gaveta e é verde. Fujo do espelho e da cara de poucos (tão preciosos) amigos, isto são lá horas de sair de casa, mas isto são lá dias de ficar em casa. Até na silly season se fazem coisas certas ou presumivelmente acertadas. Pus-me a caminho com um «vou àquele estádio». À chegada, muitos automóveis mal estacionados onde há lugar e não parquímetro, apesar de já serem oito da noite. À porta, pessoas paradas à procura de pessoas em movimento. Estou sozinha e nervosa, ouvir o meu nome assusta-me. Mas o meu nome é outro post. Vou quase tarde, passo rapidamente pela entrada desimpedida e controlada. Primeiro passa-se ordeiramente. Depois presto-me a um exame físico. As mãos procuram-me os jeans, os bolsos de trás, as pernas por aí abaixo. Tenho uns belos bolsos vazios. Não, não me importo de mostrar a mala. Se a senhora do colete fluorescente soubesse como um livro pode afectar uma pessoa, não me teria deixado entrar com ele. Exame final: leitura magnética, green card means go. Escada acima, chego a tempo, há eventos que se atrasam e um século demora a chegar. Num texto dramático haveria uma didascália com a voz verde e gritante num apelo a «todo o estádio a cantar». Aquela música não é um hino, é o «Wrong’em Boyo» dos Clash. Mesmo que na outra ponta da 2.ª Circular, mesmo que o pronome possessivo plural antes do nome do clube me provoque comichão, mesmo que eu não seja uma dos milhares a bater palmas, um estádio cheio é uma emoção daquelas de deixar a pele como um mar nervoso, os pêlos dos braços como dunas ao vento e a minha retórica reduzida a comparações de quinta categoria. Em volta do campo, circulares como anéis, há várias camadas coloridas de vozes vivas e línguas soltas (o árbitro tem uma família que é um prazer) e olhares concentrados sobre o pequeno e promissor planeta. Noventa minutos de bolas legitimamente roubadas, passes ameaçadores, pontapés de e para fora da baliza, pontapés livres de perigo, substituições, cartão vermelho, três minutos finais que não resolvem um empate a zero. Só eu sei porque não fiquei em casa.
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