Sunday, April 13, 2008

[título]

para a R.
Então vinha por ali a pensar, enquanto andava, os pés rápidos entre o pousar e o levantar do chão, das pedras da calçada como as que esvoaçaram, cruzando o céu revolto da Paris de há quarenta anos.
Isto depois de, à saída de casa – chamemos-lhe, chame-lhe eu, assim (isso é assunto para post inteiro) –, olhar, a abanar a cabeça daquela maneira, o guarda-chuva, face ao sol que trespassava o vidro da janela, para, descidas escadas, atravessadas passadeiras, ver a chuva jocosa desenhar pollocks transparentes nas lentes dos óculos (que cada vez preciso mais deles e mais cedo no dia). Isto antes de na paragem do autocarro (já consigo prever, com uma margem de dez minutos, a hora – o minuto? – a que passa), a oito minutos do próximo, me entreter a procurar a fronteira entre o céu azul luminoso sorridente e o céu, o mesmíssimo céu, cinzento, zangado, ameaçador, a ver o gajo do lado entreter a espera a passar o dedo numa ferida aberta, enquanto de vez em quando repetia alto a música nos seus ouvidos (que ainda chegava aos meus, e eu conseguiria identificar, não os tivesse tão maus). À espera, os que apanham o autocarro para apanhar, mais à frente, a carrinha da metadona vaticinam quanto ainda vai chover.
E depois, entrar no meio de transporte público, naquela mistura de cheiros de pessoas e sabe o motorista mais o quê, jornais do dia de ontem, ecos de unhas cortadas ao quilómetro não sei quantos, sinestesia que depressa me faz querer regressar à cama (como se precisasse destas desculpas, como se não bastasse acordar com despertador ao fim-de-semana, como se não bastasse acordar antes do despertador) para atender clientes (17 minutos, 0 clientes) e me sentir empregada de caixa de um hipermercado (que não trabalham depois das 13h de domingo). Eu que compro livros por tudo e por nada (que comprei um livro inteiro do Tolentino Mendonça por causa de dois versos) também vendo livros por tudo e por nada (e por isso não pude ir dizer isto e aquilo – as if... – ao Tolentino).
Parlez-vous français e hoje nem tive tempo de tomar café, quel est le prix, a tentar lembrar-me de como se decompõem os números em francês, sept euros, quatre-vingt-cinq, e na minha cabeça só um redondo soixante-huit.
Mas no meio da sofreguidão (não vá esquecer-me do que quero dizer), esqueci-me do que queria dizer. Que, apesar de me sentir eihriruhgeigyker de estar aqui, de invejar as pessoas com ar de fim-de-semana, apesar de ser muito capaz de me queixar dos fins-de-semana (de que não sou capaz de me queixar?, podia escrever queixosa nos espaços em branco para a profissão – e até gosto do que faço, sem que a modéstia me permita dar-lhe nome –, podia ouvir-me nomeada para best actress in the drama queen category - a comover-me por tanto ou tão pouco, venha daí esse abraço inesperado ou o olhar que que me arrepia até ao frio), apesar de todas as dores e calos de que me lembre, em silêncio ou pronúncia, o Vinicius tem razão e tenho por que(m) sorrir.