Monday, March 26, 2007

Eu que me comovo por tudo e por nada e não li Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo

Da vaidade do mundo, ria-se também, no fim dos seus dias, Valéry Larbaud. Se Walser passou os vinte e oito últimos anos da sua vida fechado em manicómios, Valéry Larbaud, por causa de uma hemiplegia, passou os últimos vinte anos da sua infeliz existência numa cadeira de rodas.
Larbaud conservou intactas a lucidez e a memória, mas caiu numa confusão total da linguagem, carente de organização sintática, reduzido a substantivos ou a infinitivos isolados, reduzido a um mutismo inquietante que um dia, de repente, perante a surpresa dos amigos que o tinham ido visitar, interrompeu com esta frase:
- Bonsoir les choses d'ici bas.
Enrique Vila-Matas, Bartleby & Companhia (trad. José Agostinho Baptista), Lisboa, Assírio & Alvim, 2001

Friday, March 23, 2007

Common people*

Aluguei um casulo defronte de uma loja, uma mercearia cuja dona arrisca conversa com um «hoje vai fazer sopa» para a rapariga que leva batatas, cenouras e cebola, mas sei isto porque me contaram e eu acreditei, que eu nunca lá entrei. Por cima, marquises como caixas de fósforos onde se acendem candeeiros e televisões, discussões sobre quem lava a loiça e sorrisos quando o Benfica marca (bairro feliz, de barbearias que são arquivos municipais d’A Bola e apartamentos sem Sportv donde se ouvem os festejos do estádio quando jogamos em casa). Na janela da cozinha, dedilho as cordas da roupa, demoro-me a estendê-la, com gestos de equilibrista e molas combinadas, para que peça nenhuma caia no quintal onde um Simão na marca de grande penalidade atira para golo a um Ricardo entre os dois vasos da baliza, enquanto o pássaro de um vizinho canta assobios de trolha.
*Pulp

Thursday, March 22, 2007

Laxante emocional

I'm full of shit.

Friday, March 16, 2007

Cidade Luz 1 - Estádio da Luz 0

Wednesday, March 14, 2007

Auto-retrato #33

Handwriter.

What a fucking lovely day*

- Que é que fazes sábado?
- Faço anos.

* Stephin Merritt (ironia minha)

Wednesday, March 07, 2007

Eu que me comovo por tudo e por nada #33

Sei que os campos imaginam as suas
próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios campos
de rosas. E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente
eu pudesse acordar.
Herberto Helder

Thursday, March 01, 2007

T0, procura-se

Aguento bem o acordar e limpar o vomitado do gato, preocupar-me com ele como se fosse meu, as Cosmopolitan no cesto da imprensa, encontrar o Y na casa de banho sem o ter levado para lá e o rolo de papel vazio, o Messenger com o sinal sonoro ligado, o convívio inevitável com pessoas que não convidei. Aguento menos bem coisas que não vale a pena dizer (aqui), mas o difícil mesmo é não poder chorar senão em mute.

Post rápido de espanhol

Nosotros ignoramos que el pensamiento tiene arrabales
donde el filósofo es devorado por los chinos y las origas
y algunos niños idiotas han encontrado por las cocinas
pequeñas golondrinas con muletas
que sabían pronunciar la palabra amor.

Federico García Lorca, «Panorama ciego de Nueva York», in Poeta en Nueva York.

Audio book

Neon Bible

Funeral

Long live Arcade Fire.

Quiet is the new loud*

A solidão, sendo vazia, dá a ideia errada de ser silenciosa. Mas nesse sítio os silêncios não são de veludo e não há maneira de o corpo se aconchegar ao sofá que parece de madeira fria. Aí, porque não há em quem atentar, ouvem-se os sons ao microscópio, e qualquer um, ainda que diminutivo, se faz trovão.
De fora vem o bater rápido, bruto, leve das asas do pássaro em voo e o comboio em fuga para as próximas estações, e os ruídos domésticos, às vezes tão inexistentes, têm contornos de fantasma.
A porta range quando o gato passa e atrás dele languidamente a cauda. O frigorífico treme e soluça em arrepios de frio. O telemóvel dá sonoros roncares de estômago com falta de bateria. A cama da vizinha de cima - sempre sozinha, imagino - geme mais frequentemente todo o dia.
O cigarro, com barulho de labareda, desfaz-se em cinzas de que nada renasce. As paredes choram pelos canos lacrimais um líquido moribundo que foi, deixou de ser potável.
E as conversas audíveis e imperceptíveis das casas em volta não asseguram que estar acompanhado é antónimo de estar só.
*Kings of Convenience